quinta-feira, 2 de julho de 2020

s̶e̶m̶ ̶g̶r̶a̶ç̶a̶

Todas as dúvidas podem ser respondidas quando olhamos para dentro de nós mesmos. Essa não é uma tarefa fácil. Tenho passado a vida me esticando ao máximo para enfiar a cabeça dentro do meu umbigo e conseguir ter uma visão ampla do meu interior. A coluna dói e a parte de trás dos joelhos dói mais ainda. Nunca consegui ver nada com clareza, só escuridão. Mentalmente, a escuridão é substituída por um milhão de bolinhas coloridas que pulsam e ardem de suas maneiras únicas, uma confusão de cores impossível de decifrar.
Aprendo que precisamos de silêncio para olhar por dentro. Coloco tampões nos ouvidos e ainda assim minha nuca dói demais quando me estico e  nada da visão magnífica do meu organismo trabalhando em harmonia e incansavelmente me mantendo viva. Quando checo a mente, de novo, tenho minhas dúvidas quanto ao cansaço do meu corpo.
Com os ouvidos tampados percebo que nunca dei espaço ao que meu corpo diz. Eu só ouço: sexo, pau, buceta, o tempo inteiro. E sei que ele fala mais que isso, afinal, vivo nele. Adiar até o último segundo em que um problema pode ser resolvido é resultado de ansiedade e fazer as coisas mal feitas gera mais desânimo. As coisas que exigem dedicação, no mundo moderno, geram mais desânimo. E a falta de esperança, e a falta de fé, e a falta porém a sede de entendimento... geram cansaço.
E o cansaço toma conta de tudo. Antes que se espere, as coisas mergulham em profunda desilusão de onde é quase impossível escapar. Eu sempre quis a aprovação dos meus pais e do meu círculo social com uma declaração definitiva que diria: você é especial. A ciência diz o contrário e então basta pegar algum conhecimento sobre o Universo ou sobre filosofia e ser feito de poeira de estrelas não é nem perto do quanto eu queria me destacar. Ser uma lasca de unha solta em gás carbônico é patético.
Algumas coisas só se tornam concretas depois que você fala sobre elas. Nesse caso, nem mesmo escrever - que eu considero meu único dom, o dom de falar sozinha - não é o suficiente.
Faz sentido porque não dá pra descrever o vazio. O vazio é auto-descritivo, ele por ele mesmo. Não é palpável, não tem nenhuma característica. E até dizer como eu me sinto sobre ele é impossível. Porque é só o que ele é, vazio.
Me disseram uma vez: cuidado pra não ficar oca e ser só uma casca, como eu...
Eu ouvi atentamente e tive muito cuidado. Briguei com o vazio, lutei feroz contra meus instintos de melancolia. Busquei as paixões ardentes não como alguém que não sabe se vai morrer no dia seguinte mas como alguém que tem certeza que isso pode acontecer. Tudo pra ficar longe de ser uma casca. Mas não funcionou.
Pior que ser uma casca é não saber nem se a casca existe.
Não sinto como se houvesse uma casca me protegendo. Me sinto completamente nua, aberta, vulnerável. Algo sem início nem fim, onde as coisas entram e se perdem ali dentro. Eu não consigo achar nada.
Tento preencher lacunas e depois organizá-las mas tal qual uma mãe de gêmeos, toda vez que pisco, volto e já tá tudo bagunçado de novo.
Falo sobre bagunça e vazio ao mesmo tempo e quero que entenda que é a verdade, o paradoxo de conseguir bagunçar o que nem existe.
O que eu acho que não existe mas na verdade está sempre aqui. Mesmo que eu não consiga sentir, sei que está aqui.
Sei que eu estou aqui e sou indivisível.
Nada me representa, nada me simboliza, nada me resume e ultimamente, na verdade, nada me alegra.
Os bens-materiais são coisas que só aparecem pra me aborrecer e me atrapalhar. A falta deles atrasa muitas esferas da minha vida e o excesso deles me causa ânsia de vômito. Anseio pela comunicação com as pessoas que me cativam mas rapidamente me vejo presa em uma carência incontrolável que a tecnologia, as coisas concretas, fazem o que elas são feitas pra fazer... dão forma à isso. Fico desesperada com o meu retrato virtual, tenho crises quase tão fortes quanto as que tenho olhando pro espelho porque me vejo ali mas não me identifico. Identifico sempre apenas aquilo que gostaria de eliminar. Mas se eliminar todas essas coisas, acho que fico vazia. E voltamos ao ponto inicial.
Todas as coisas passaram a ter um grande significado pra mim depois que descobri que no fundo elas não significam nada. Tudo é muito aleatório e sem muita importância, mas juntas são a causa e o efeito umas das outras, fazem parte de ciclos que se completam, são partes do mesmo quebra-cabeça no qual todos estamos incluídos.
Não sei muito o que fazer com essa informação porque nesse momento não sei o que fazer com nenhuma. O desespero por preenchimento é tão grande que acumulo muitas coisas pra fazer e faço todas pela metade.
No fim, qualquer coisa pode não significar nada se você está maluco. Se você não tem sanidade pra definir tudo aquilo que em dias comuns já foram fatos, você não pode se certificar se está tudo indo bem ou mal. Se o barco tá afundando ou continua boiando, você não sabe dizer. Eu não sei dizer.

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